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Mostrando postagens de setembro, 2023

O Eco das Palavras: Literatura e Memória na Praça dos Escritores de Sarajevo

DE SARAJEVO - Foi na praça Alija Izetbegović , em Sarajevo, que, ao caminhar distraído, parei diante de um conjunto de bustos que, ao princípio, me pareceram apenas figuras de pedra. Mas, ao me aproximar e observar mais atentamente, as expressões esculpidas nas faces dos escritores começaram a contar histórias. Não eram meros monumentos; eram vozes, algumas mais silenciosas, outras quase gritando, ressoando através do tempo. E foi ali, naquela praça, que os sentimentos e os pensamentos que estavam dentro de mim se organizaram de uma forma mais intensa. Estava diante de um lugar que não apenas homenageava o passado literário da Bósnia, mas também dava uma lição direta sobre o presente. Todos os dias cruzava a praça para ir até a Universidade até que um dia parei para contemplar. Cada busto parecia me desafiar, convidando-me a refletir sobre os seus autores e as marcas que deixaram. Veselin Masleša , com seu olhar firme e severo, refletia um espírito de resistência, o mesmo que o levou a...

Comer na Bósnia: Poema dos Sabores e dos Sentidos

DE MOSTAR - Quando o sol brilha tímido sobre as montanhas da Bósnia e a estrada se estende à minha frente, como um convite silencioso, o cheiro que vem da fumaça nascida das chaminés me chega com força, como um abraço acolhedor. Estou a caminho de Mostar, em uma viagem que me leva mais longe do que apenas o meu corpo, que me arrasta até o coração da Bósnia. E é na estrada, entre os campos verdes e os bosques densos, que a comida, essa linguagem universal, começa a falar. Lá, no meio de um campo que se estende sem fim, entre as estradas de terra batida, a parada é inevitável. O homem que serve o carneiro assado na brasa não diz muito, mas seu olhar conta histórias de uma terra que, à medida que você viaja, vai se revelando: marcada pela guerra, pela dor, mas também pela abundância, pela resiliência. O carneiro, simples e robusto, com seu tempero que parece não vir de lugar algum a não ser da terra onde cresceu, parece ser a essência da Bósnia. A carne macia, envolta em ervas silvestres...

Os Acordos de Dayton: A Promessa Que Nunca Foi Cumprida

  DE SARAJEVO - Os Acordos de Dayton foram, à primeira vista, uma tentativa de devolver à Bósnia e Herzegovina algo que parecia perdido para sempre: a paz. Com a assinatura desses acordos em 1995, o mundo acreditava que a Bósnia renasceria das cinzas da guerra, que suas cicatrizes seriam suavizadas, e que as divisões étnicas e políticas, embora profundas, poderiam ser superadas com o tempo. Mas, ao caminhar por Sarajevo, anos mais tarde, em 2023, e tomar café com as pessoas, conversar e interagir com os olhares desconfiados, percebo que a promessa feita em Dayton foi, na maioria das vezes, apenas um ideal distante. O que realmente representa, hoje, a Bósnia e Herzegovina? Quando observamos o cenário político e social, a resposta parece contraditória. Por um lado, vemos um país que ainda luta para se erguer, que enfrenta desafios imensos para superar os traumas da guerra e, por outro lado, vemos uma nação que permanece dividida, não apenas fisicamente, mas também emocional e psicolo...

Srebrenica: O Silêncio das Montanhas e o Eco da Tragédia

  DE SREBRENICA - Srebrenica, com sua paisagem serena de montanhas verdejantes e o tranquilo fluir do rio Drina, é um lugar cuja beleza parece quase desumana diante da história que carrega em suas entranhas. Durante a minha passagem por lá, não pude deixar de me sentir esmagado por uma sensação de dissonância entre o esplendor natural e a tragédia que ali ocorreu. A suavidade da paisagem e o ritmo quase meditativo da vida local contrastam brutalmente com as cicatrizes deixadas pela guerra e o genocídio de 1995, um evento cujas reverberações ainda ressoam profundamente nas almas de todos os que habitam este pedaço de terra marcada pela violência étnica. Era uma manhã ensolarada quando cheguei a Srebrenica. As montanhas estavam cobertas por uma neblina suave que fazia com que a cidade parecesse ainda mais afastada, como se estivesse longe de qualquer tempo ou lugar. Caminhei pelas ruas, tentando absorver a calmaria que cercava o ambiente. Mas, em cada olhar que cruzava meu caminho, h...

O Eco do Cerco de Sarajevo: Reflexões sobre Vestígios do Passado

DE SARAJEVO - Ao caminhar pelas ruas de Sarajevo, é impossível não sentir o peso de uma história que não se apaga, mas que se reinventa a cada passo. Não são apenas as cicatrizes das balas nas paredes ou as marcas da destruição que moldam a cidade, mas também o modo como seu povo, com uma resistência quase heroica, reconstruiu o que parecia irremediável. Morar e vivenciar Sarajevo em 2023 é, para mim, um exercício diário de contemplação, de tentar compreender a complexidade de um lugar onde os ecos do cerco de 1992-1995 ainda ressoam, como um sussurro que nunca se apaga completamente. Quando cheguei aqui, já imaginava que a cidade, com suas ladeiras apertadas e seu caos cosmopolita, teria tanto a me dizer. Cada rua, cada esquina e até cada café parecem guardiões de uma memória coletiva que pulsa, mas que, ao mesmo tempo, está soterrada sob uma fachada de normalidade. Sarajevo, com sua inconfundível mistura de influências orientais e ocidentais, carrega consigo uma ambiguidade que refle...