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A Economia da Bósnia no Pós-Guerra: Entre as Cicatrizes e a Esperança de Florescer

DE SARAJEVO — Há uma ironia cruel na forma como a economia da Bósnia e Herzegovina respira: ofegante, como se ainda carregasse o peso dos escombros de uma guerra que tecnicamente terminou há três décadas. O Acordo de Dayton, que em 1995 silenciou as armas, não curou as feridas económicas; pelo contrário, consagrou-as em estruturas políticas disfuncionais que até hoje estrangulam o potencial de um país que já foi o coração industrial da Jugoslávia. A economia bósnia é um paciente que sobreviveu à cirurgia de emergência, mas nunca quite recuperou os movimentos plenos.

A guerra deixou um rasto de devastação material e humana quase incompreensível. O Produto Interno Bruto (PIB) colapsou para menos de 10-30% dos níveis pré-guerra, e o país perdeu mais de 75% da sua capacidade económica. Cidades inteiras foram reduzidas a escombros, infraestruturas energéticas e industriais foram sistematicamente destruídas, e mais de 80% da população dependia de ajuda alimentar internacional para sobreviver. A moeda nacional desapareceu, e o sistema financeira era uma ficção. O tecido industrial— outrora orgulho da Bósnia socialista, com gigantes como a Energoinvest (energia) e RMK Zenica (aço)—foi desmantelado ou privatizado de forma predatória, deixando para trás fábricas fantasmas e trabalhadores sem futuro.

A reconstrução, liderada por instituições como o Banco Mundial e a União Europeia, focou-se em estabilizar a macroeconomia, reconstruir infraestruturas críticas e criar novas instituições económicas 3. A introdução do marco conversível (BAM), indexado ao euro, em 1998, foi um sucesso notável que domou a hiperinflação e restaurou a confiança no sistema financeiro. Pontes, estradas e redes elétricas foram reconstruídas, e símbolos como a Ponte Velha de Mostar—destruída em 1993—renasceram como emblemas de reconciliação. No entanto, a economia que emergiu deste esforço é profundamente frágil e dual: uma economia de consumo, dependente de importações e remessas da diáspora, e não de produção e inovação.

Os números revelam uma realidade contraditória. O PIB nominal é de cerca de $29,86 mil milhões (2025), e o crescimento ronda os 2-3% ao ano—insuficiente para reduzir o desemprego, que oficialmente é de 11,7%, mas que entre os jovens atinge níveis catastróficos de 27,3% 2. Quase 20% da população vive abaixo da linha da pobreza, e os salários médios líquidos não ultrapassam os €770 por mês 2. A indústria, outrora dominante, representa hoje apenas 23% do PIB, enquanto os serviços—muitos deles informais—chegam a 55%. A agricultura, por seu turno, está estagnada em 6% do PIB, incapaz de modernizar-se.

Mas o mal maior é a paralisia política alimentada pelo sistema de Dayton. Com duas entidades autónomas—a Federação Bósnia-Croata e a República Sérvia (RS)—e um governo central fraco, não há uma estratégia económica coerente. Cada entidade tem o seu próprio ministério da economia, os seus próprios regulamentos e, por vezes, os seus próprios interesses geopolíticos. A RS olha para Belgrado e para Moscovo; a Federação para Zagreb e Bruxelas. O resultado é um mercado fragmentado, duplicação de esforços e uma corrupção endémica que desencoraja o investimento estrangeiro. A Bósnia está ranked 101º no Índice de Perceção de Corrupção da Transparência Internacional, e as elites políticas—muitas delas ex-comunistas reconvertidas a nacionalistas—beneficiam deste status quo.

A indústria pesada, outrora o motor económico, nunca quite se recuperou. A siderurgia de Zenica foi adquirida pela ArcelorMittal, mas opera com capacidade reduzida. A Aluminij Mostar, uma das maiores exportadoras, enfrenta crises periódicas devido a preços globais voláteis. E a produção de carvão—ainda vital para a geração de energia—é ambientalmente insustentável e economicamente marginal. O turismo emerge como uma esperança, com crescimento animador nos últimos anos, atraído pelas montanhas dos Alpes Dináricos, pela história de Sarajevo e pela beleza de Mostar. Mas mesmo este sector é vulnerável: a pandemia de COVID-19 e as cheias de 2014 (que causaram danos equivalentes a 15% do PIB) mostraram como a economia bósnia é frágil perante choques externos.

O maior desafio, porém, é a fuga de cérebros. Desde o fim da guerra, mais de 500.000 pessoas emigraram, a maioria jovens qualificados. Eles partem para a Alemanha, Áustria ou Croácia em busca de salários dignos e de um sistema que funcione. As remessas que enviam representam uma fatia vital do PIB—um paradoxo trágico onde a diáspora sustenta o país que a abandonou. Quem fica, muitas vezes sobrevive na economia informal ou em empregos públicos superlotados, herdados de um sistema socialista que teima em não morrer.

A luz ao fundo do túnel é a perspectiva de integração europeia. O estatuto de candidato à UE, concedido em 2022, forçou reformas tímidas—especialmente na harmonização de normas e no combate à corrupção. Mas o processo é lento, e Bruxelas exige mudanças que as elites locais resistem a implementar: um Estado de direito funcional, uma economia de mercado real e a aceitação de que o futuro da Bósnia está na cooperação, não na segregação étnica.

A economia bósnia é, no fundo, um espelho das suas divisões sociais. Como me disse um empresário em Tuzla: "Dayton salvou-nos a vida, mas condenou-nos a viver de muletas". A verdadeira reconstrução—aquela que transforma escombros em alicerces—ainda está por fazer. Ela exigirá mais do que investimento internacional: exigirá que os bósnios decidam, finalmente, se querem ser um país de museu ou de futuro.



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