DE SARAJEVO — Em um pequeno café no centro de Sarajevo, um homem idoso aponta para três chávenas sobre a mesa: uma de café turco, outra com chá e uma terceira vazia. "Esta é a Bósnia", diz, com um sorriso cansado. "Três sabores, um mesmo lugar. Às vezes misturam-se, outras vezes permanecem separados. Mas a mesa é uma só." A metáfora, como tudo neste país, é perfeita e incompleta. A identidade nacional bósnia não é uma essência imutável, mas um campo de batalha onde histórias, traumas e esperanças se chocam diariamente.
O Acordo de Dayton, que pôs fim à guerra em 1995, não apenas parou a matança: ele congelou as identidades em categorias rígidas. A Constituição do país reconhece três "povos constituintes": bósnios (muçulmanos), sérvios (ortodoxos) e croatas (católicos). Os outros—judeus, roma, ou simplesmente aqueles que se recusam a ser definidos pela etnia—são oficialmente "Outros", cidadãos de segunda classe ineligible para a presidência ou outras altas funções . Este sistema, concebido para parar uma guerra, tornou-se uma gaiola para a paz.
A guerra deixou feridas profundas na paisagem humana. Em cidades como Mostar, uma linha invisível ainda divide os bairros croatas e bósnios. As crianças frequentam escolas separadas sob o mesmo teto, aprendendo histórias diferentes da mesma guerra . Em algumas escolas da República Srpska, o genocídio de Srebrenica é ensinado como um "mito" ou "exagero" . Esta segregação educacional é talvez o maior obstáculo à reconciliação: ela ensina às novas gerações a desconfiar do Outro antes mesmo de o conhecer.
A identidade bósnia—no sentido estrito de bosníacos muçulmanos—cristalizou-se em oposição aos outros grupos. Para muitos, ser bósnio é lembrar Srebrenica, é carregar o trauma de um genocídio que o mundo testemunhou em directo. É uma identidade forjada na dor, mas também na resistência. A comunidade islâmica, outrora secularizada, tornou-se mais visível e organizada, com mesquitas a serem reconstruídas e práticas religiosas a ganharem nova relevância .
Para os sérvios da Bósnia, a identidade está profundamente ligada à República Srpska e à Sérvia. Muitos negam o carácter genocida de Srebrenica e vêem-se como vítimas de uma guerra civil, não de uma agressão . A sua lealdade é frequentemente mais para Belgrado do que para Sarajevo. A ameaça secessionista de Milorad Dodik, líder da RS, não é apenas uma jogada política; é a expressão de uma identidade que se sente estrangeira no seu próprio país.
Os croatas, por seu turno, sentem-se cada vez mais marginalizados. Eles são o menor dos três grupos e temem ser esmagados num estado centralizado dominado por bosníacos. Muitos defendem a criação de uma terceira entidade croata, aprofundando ainda mais a divisão étnica . A sua identidade é muitas vezes vivida em ligação com a Croácia, um país que os apoia política e culturalmente.
Apesar destas divisões, há sinais de uma identidade comum emergente, especialmente entre os jovens urbanos. Em Sarajevo, Tuzla ou Banja Luka, cresce uma geração que se cansa das divisões étnicas. Eles definem-se como "bósnios" no sentido cívico—habitantes da Bósnia, independentemente da etnia. Usam as redes sociais para criar pontes, organizam festivais de música e arte que juntam todas as comunidades, e criticam abertamente os líderes nacionalistas .
O papel da comunidade internacional é ambíguo. Por um lado, pressiona para reformas que fortaleçam a identidade cívica—por exemplo, alterando a Constituição para dar igualdade a todos os cidadãos . Por outro, a sua presença é por vezes resentida como uma ingerência neocolonial. O Alto Representante internacional, com poderes para demitir funcionários e impor leis, é ao mesmo tempo um garantidor da estabilidade e um obstáculo à soberania real .
O futuro da identidade nacional bósnia dependerá da capacidade de transcender as categorias de Dayton. Como me disse uma jovem activista em Mostar: "Não queremos ser muçulmanos, sérvios ou croatas. Queremos ser cidadãos." Esta é uma visão ainda marginal, mas crescente.
A Bósnia é, no fundo, um laboratório de identidade pós-guerra. Mostra como as feridas do passado podem ser instrumentalizadas para fins políticos, mas também como a convivência quotidiana pode curar divisões. A identidade nacional não é algo dado; é algo que se constrói todos os dias—nos cafés onde as três chávenas partilham a mesma mesa, nos casamentos mistos que desafiam as fronteiras étnicas, na recusa silenciosa de muitos em odiar em nome de uma história que não viveram.
Como escreveu o poeta bósnio Izet Sarajlić: "A minha pátria é um jardim onde até as flores estão divididas." O desafio da Bósnia é fazer dessas flores um único bouquet.
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