DE MEDJUGORJE — O caminho que leva a Medjugorje serpenteia entre colinas verdejantes e povoações modestas, onde o tempo parece ter parado. Estive aqui em 2013 com um grande amigo de faculdade. Retornar é como visitar o passado. Chegar aqui é entrar num universo paralelo, um lugar onde o silêncio das montanhas se funde com o murmúrio das preces e onde a fé, intensa e por vezes controversa, floresceu em solo outrora marcado pelo regime comunista. A primeira impressão é a de um contraste profundo: de um lado, a simplicidade de uma aldeia rural da Herzegovina; do outro, a infraestrutura que cresceu para acolher milhões de peregrinos. Mas o coração de Medjugorje bate na Igreja de São Tiago, ponto de convergência onde fiéis de todo o mundo se ajoelham com uma devoção quase palpável.
A subida ao Podbrdo, a colina onde em junho de 1981 seis jovens croatas afirmaram ter visto pela primeira vez uma "Jovem com um bebé nos braços", é uma peregrinação em miniatura. Me lembrou muito a cidade de Fátima, em Portugal. O chão aqui é pedregoso, o sol é fresco e ameno, e cada passo convida à reflexão. No cimo, uma estátua simples de Nossa Senhora marca o local. O silêncio é quebrado apenas pelo sussurro de terços e por cantos espontâneos, pelas pessoas ali presente. A vista sobre o vale é desarmoniosamente pacífica, uma ironia geográfica num país que viveu um cerco brutal apenas uma década após o início das aparições.
Um frade franciscano local, com quem partilhei um café turco forte, explicou-me o significado mais profundo deste lugar: "Medjugorje nunca foi apenas sobre religião. Em 1981, éramos uma paróquia católica croata a viver sob um regime comunista ateu. As aparições foram um acto de resistência espiritual e identitária." Ele recordou a perseguição imediata: os videntes levados para interrogatórios, o pároco Frei Jozo Zovko preso, a tentativa de silenciar o fenómeno. "A Gospa deu-nos coragem para sobreviver. Para nós, croatas da Bósnia, ela tornou-se um símbolo da nossa resiliência."
A comparação com Fátima surge naturalmente. Enquanto Fátima é um fenómeno concluído, amplamente reconhecido pela Igreja, Medjugorje é fluido, orgânico e incómodo. Em Fátima, a mensagem foi entregue, o milagre do sol aconteceu, e a Igreja deu o seu aval há décadas. Em Medjugorje, as aparições continuam para alguns dos videntes, e as mensagens mensais prosseguem, criando uma aura de permanente expectativa. Um teólogo em Sarajevo sublinhou a dimensão política: "Fátima era uma mensagem contra o ateísmo do bloco soviético. Medjugorje surgiu dentro de um país comunista, e a sua mensagem de paz foi imediatamente apropriada por diferentes agendas." Tenho muito o que pensar sobre as duas cidades.
A posição oficial da Igreja sempre foi cautelosa. Inicialmente, o bispo local foi francamente hostil, considerando-o uma farsa. No entanto, a Santa Sé optou por uma abordagem pastoral. Em 2017, o Papa Francisco nomeou um enviado especial, e, significativamente, em agosto de 2024, o Dicastério para a Doutrina da Fé emitiu uma nota autorizando o culto público e as peregrinações oficiais, destacando os "frutos espirituais positivos" de Medjugorje, sem se pronunciar definitivamente sobre a sobrenaturalidade das aparições. Esta decisão foi um marco, transformando Medjugorje num santuário de facto, um lugar onde os fiéis podem encontrar Deus, independentemente das controvérsias.
Para a Bósnia, Medjugorje é mais do que um santuário; é um símbolo de unidade frágil e de esperança teimosa. Num país ainda dividido por fronteiras étnicas invisíveis, este lugar atrai peregrinos de todas as origens—croatas, bósnios, sérvios—que aqui se ajoelham lado a lado, ainda que por breves momentos. É um microcosmo do que a Bósnia poderia ser: um lugar onde a fé, seja ela religiosa ou na humanidade, consegue transcender as divisões que os homens criaram. Ao partir, olhei para trás, para as colinas banhadas pelo sol da tarde, e percebi que Medjugorje não é sobre respostas definitivas, mas sobre a coragem de buscar paz num mundo ainda cheio de guerras.
Acredito muito no papel da religião em proporcionar paz, principalmente a partir da capacidade de materializar a espiritualidade ao receber dos fiéis a espiritualidade da matéria. Portanto, lugares como este são encontros do céu e da terra, independente do credo, pois possibilitam essa fusão entre espírito e matéria, assim como razão e espiritualidade.
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