DE BRATUNAC — A história da Bósnia e Herzegovina é, em grande medida, uma história de partidas e regressos interrompidos. Num café de Sarajevo, onde o cheiro do café turco se mistura com o murmúrio de conversas em várias línguas, um jovem estudante de engenharia confessa: "Aqui, sonhamos com o estrangeiro desde que aprendemos a andar." Esta não é apenas uma observação casual; é o reflexo de uma realidade profundamente enraizada. A migração—seja forçada pela guerra ou motivada pela economia—moldou a identidade, a política e a alma deste país balcânico, deixando um rastro de perdas, mas também de resiliência silenciosa.
A diáspora bósnia é uma das maiores da Europa. Desde a guerra de 1992-1995, que deslocou um quarto da população, até à emigração económica acelerada da última década, mais de 500.000 pessoas abandonaram o país. Os números são mais do que estatísticas: são histórias de famílias divididas, de cérebros drenados, de aldeias envelhecidas. Um estudo de 2023 revela que as intenções de emigrar estão hoje menos ligadas a fatores económicos individuais—como o desemprego ou baixos salários—e mais à instabilidade política e à disfuncionalidade crónica do Estado. "Já não emigramos apenas por dinheiro", explica uma professora universitária em Sarajevo. "Emigramos por cansaço. Cansaço de uma política que nos divide, de um sistema que não muda, de um futuro que nunca chega."
Este êxodo tem consequências profundas. A população envelhece, o tecido social afina-se, e setores críticos—como a saúde e a educação—perdem profissionais qualificados. Entre 2013 e 2023, a Bósnia perdeu cerca de 10% da sua população ativa, com jovens entre os 20 e os 40 anos a liderarem a fuga. Nas zonas rurais, aldeias inteiras estão hoje habitadas por idosos, enquanto os mais jovens constroem vidas na Alemanha, Áustria ou Estados Unidos.
Paradoxalmente, a Bósnia é também um país de acolhimento—ou pelo menos de trânsito—para milhares de migrantes de outras regiões do mundo. Em 2024, cerca de 25.200 pessoas entraram no país, na sua maioria provenientes do Médio Oriente e Ásia, em busca de passagem para a União Europeia. Estes fluxos colocam pressão sobre um sistema já frágil. Campos como o de Lipa—onde em 2020 milhares de migrantes viveram em condições desumanas, sem aquecimento ou água corrente—tornaram-se símbolos de uma crise migratória que a Europa externaliza para os Balcãs 3. A resposta das autoridades bósnias tem sido ambivalente: por um lado, há gestos de solidariedade; por outro, discursos securitários e políticas de contenção. Em 2024, o acordo com a Frontex permitiu a operação de agentes europeus no território bósnio, militarizando ainda mais as fronteiras.
A diáspora, no entanto, não é apenas uma perda. É também uma força vital. As remessas enviadas para a Bósnia representam uma fatia significativa do PIB, sustentando economias locais e famílias inteiras 2. Mas o impacto vai além do económico. Projectos como "Heritage Horizons"—que cria cápsulas de memória com histórias, receitas e artefactos da diáspora—procuram manter viva a identidade cultural bósnia além-fronteiras. "Queremos que os nossos filhos saibam de onde vêm, mesmo que nunca tenham posto os pés aqui", diz uma participante do projecto, desde sua casa em Viena.
A longo prazo, o maior desafio será converter esta diáspora num actor de transformação política. Muitos bósnios no exterior mantêm dupla cidadania e seguem de perto a política do país. Nas eleições, o voto da diáspora é por vezes decisivo. Mas a influência vai além das urnas: há cada vez mais investidores, académicos e artistas da diáspora a envolverem-se em projectos locais, trazendo consigo experiências e expectativas diferentes. "Eles vivem em democracias que funcionam e não aceitam o clientelismo de cá", nota um analista político. "A sua frustração pode ser um fermento para a mudança."
A guerra na Ucrânia trouxe um novo capítulo a esta história. A Bósnia recebeu estatuto de candidato à UE em 2022, em parte devido ao novo contexto geopolítico 6. Esta perspectiva—ainda que distante—gera uma centelha de esperança entre os que ainda acreditam num futuro dentro do país. "Se a Europa nos abrir as portas, talvez os nossos jovens não precisem de partir", diz um empresário em Mostar.
O impacto da migração e da diáspora na Bósnia é, assim, uma história de duplo vínculo: é uma fuga que enfraquece o país, mas também uma rede que o sustenta; é uma hemorragia que esvazia, mas também uma ligação que une. A verdadeira questão não é como travar a migração—isso seria impossível—mas como transformar a diáspora numa ponte para o futuro. Como escreveu um poeta bósnio: "Levo a minha pátria na ponta dos sapatos, mas o seu cheiro nunca me abandona." Resta saber se a Bósnia saberá cheirar as oportunidades que estão do outro lado do mar.
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