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O Papel da Mídia na Formação da Memória Coletiva: Ecos da Guerra e Narrativas do Presente

DE MOSTAR - Não me canso de dizer que estar por aqui é o mesmo que caminhar por uma terra onde a memória ainda pulsa em cada rua, praça e edifício. E, nesse espaço marcado pelo passado recente, percebi o poder quase tangível da mídia na construção da narrativa coletiva. Jornais, emissoras de televisão, rádios e, mais recentemente, redes sociais, moldam não apenas a forma como os bósnios veem a si mesmos, mas também a maneira como o mundo entende o país. Acredito que na década de 90 a imprensa tinha o mesmo impacto no caso do Brasil. A memória coletiva, tão delicada e fragmentada, depende de histórias contadas e recontadas, algumas precisas, outras moldadas por interesses políticos ou emocionais.

Nas minhas muitas conversas, ficou claro que a mídia exerce um papel ambíguo. Por um lado, preserva testemunhos de sobreviventes, recorda eventos históricos e mantém viva a memória das vítimas; por outro, muitas vezes reforça narrativas seletivas, reforçando divisões étnicas e alimentando percepções de exclusão ou injustiça. Nada diferente do que já conhecemos, ou seja, não apenas relatam o que aconteceu; ajudam a criar o que será lembrado. Assim, cada mensagem, cada reportagem e cada fotografia contribue para construir identidades coletivas e interpretações da história.

O impacto da mídia não se limita às cidades grandes. Em Mostar e Banja Luka, áreas rurais e periféricas também refletem a influência de notícias e documentários sobre a guerra, a reconstrução e os desafios cotidianos. Visitando pequenos cafés e mercados, vi moradores discutindo manchetes recentes, comparando versões de eventos passados e, às vezes, discordando veementemente sobre fatos históricos. A memória coletiva, nesse contexto, torna-se uma construção dinâmica: não está fixa em monumentos ou livros, mas é continuamente negociada, debatida e contestada.

A mídia, nesse processo de construir o lado crítico, é tanto ferramenta quanto desafio: molda memórias, mas também pode ser criticada, desconstruída e utilizada para fortalecer a coesão social quando abordada com consciência. O papel da educação é relevante nesse sentido, principalmente hoje com a facilidade de propagar notícias falsas, discurssos e duelo político pela internet. 

Ao caminhar pelas ruas, observando os murais, monumentos e placas que lembram a guerra, percebi que a mídia atua como intermediária entre memória individual e coletiva. Ela seleciona, enfatiza e, muitas vezes, silencia. Mas também oferece espaço para resistência: entrevistas, documentários e reportagens investigativas possibilitam que narrativas antes marginalizadas sejam reconhecidas, permitindo que a memória coletiva não seja apenas fruto de um discurso dominante. Cada notícia, cada fotografia, cada reportagem contribui para o diálogo entre passado e presente, entre dor e reconstrução, entre trauma e esperança.

Assim, reflito sobre a complexidade desse papel. Penso que em países que não tiveram uma história conturbada já é difícil a situação atual, como pensar a mídia no caso bósnio? Ela não é neutra; ela é participante ativa na formação de identidades, crenças e lembranças. Mas também é um espaço de aprendizado, de crítica e de engajamento. E, talvez, seja justamente nessa tensão — entre memória preservada e memória contestada — que a sociedade bósnia constrói seu futuro, aprendendo a dialogar com o passado sem se deixar aprisionar por ele, e reconhecendo que o controle da narrativa coletiva é, em última análise, um exercício constante de responsabilidade e consciência cívica.



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