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As Arquitetas do Amanhã: O Papel Invisível das Mulheres na Reconstrução da Bósnia

DE BJIELINA - Cheguei à Bósnia com a mente carregada de estatísticas sobre a guerra, mas foram as mulheres que me ensinaram a verdadeira meaning da resiliência. Enquanto os acordos de Dayton desenhavam novas fronteiras sobre mapas em 1995, eram elas que, nas cozinhas de sobrevivência e nos campos de refugiados, teciam os fios invisíveis de uma nação despedaçada. Esta crónica é sobre essas arquitectas silenciosas da paz—as mulheres bósnias que transformaram luto em labor, trauma em ternura, e que hoje, quase três décadas depois, continuam a carregar nas costas o peso e a promessa de um país que renasce das cinzas.

Caminho pelo mercado de Markale em Sarajevo, onde em 1994 um massacre matou 68 pessoas. Hoje, flores e negociantes enchem o espaço, e é difícil não notar que a maioria dos rostos por trás das bancas são femininos. São viúvas, sobreviventes, mães que perderam filhos. Mulheres como Fatima, que me diz enquanto arruma tomates: "Os homens foram à guerra ou morreram. Nós ficámos para reconstruir—não tivemos escolha." Esta frase ecoa por toda a Bósnia: segundo o Banco Mundial, as mulheres representaram 55% da força de trabalho no pós-guerra imediato, contra 38% antes do conflito. Tornaram-se chefas de família, empreendedoras, activistas—um fenómeno que sociólogos chamam de "feminização da reconstrução".

Na esfera política, porém, a sua voz ainda luta por espaço. O sistema de quotas garantiu que hoje o Parlamento bósnio tenha 28% de mulheres, mas o poder real reside noutros lugares. Encontro Alma Zadić, directora da organização "Biser" (Pérola), que apoia vítimas de violência sexual da guerra. Ela explica: "A guerra terminou, mas as mulheres enfrentaram outra batalha—contra o estigma, a pobreza e um sistema que as ignorava." Estima-se que entre 20.000 a 50.000 mulheres sofreram violência sexual durante o conflito, muitas gerando filhos não desejados. Suas histórias, durante anos silenciadas, estão agora a emergir através de literatura e cinema, como no documentário "Grbavica" de Jasmila Žbanić, que ganhou o Urso de Ouro em Berlim em 2006.

Mas a verdadeira revolução aconteceu na base—nas associações de mulheres que cruzaram divisões étnicas. Visitando a cidade de Tuzla, conheci a "Lara", um centro que reúne mulheres sérvias, bósnias e croatas para workshops de terapia artística e microcréditos. Aqui, o inimigo de ontem é hoje parceira na costura de tapetes tradicionais ou na produção de mel. "O ódio é um luxo que não podemos permitir-nos", diz Mejra, uma sérvia que perdeu o marido e agora trabalha com uma bósnia que perdeu o filho. São estas redes informais que preenchem as lacunas de um Estado disfuncional—e que desafiam a narrativa de que as etnias aqui não podem coexistir.

Na cultura, as mulheres reescreveram a memória colectiva. A poeta Ferida Duraković publicou versos durante o cerco de Sarajevo, distribuídos em folhas volantes—actos de beleza contra a barbárie. A artista visual Šejla Kamerić criou instalações com balas e espelhos, interrogando a identidade feminina num país traumatizado. E nas universidades, são sobretudo as mulheres que dominam as salas—67% dos estudantes em Sarajevo são femininas, um dado que promete transformar a liderança futura da Bósnia.

Mas os desafios persistem: o desemprego entre mulheres é de 37%, contra 26% nos homens. A violência doméstica ainda é elevada, e muitas heroínas do pós-guerra vivem na pobreza. Apesar disso, sua influência é everywhere—desde o movimento "Mothers of Srebrenica", que exigiu justiça global para o genocide, até às jovens empreendedoras que lançam startups tech em Sarajevo.

Minha mobilidade académica aqui tornou-se uma lição de humildade. Partilhei chá com mulheres que transformaram caves bombardeadas em ateliês de cerâmica, que usaram a tradição da tecelagem para criar cooperativas económicas, que educaram filhos de "outros" em escolas multiétnicas. Aprendi que a reconstrução não é apenas sobre estradas e pontes—é sobre reparar almas. E nisso, as mulheres bósnias são engenheiras incomparáveis.

Como me sussurrou uma idosa em Mostar: "Os homens fazem a guerra; as mulheres fazem a paz. Sempre foi assim." Talvez a maior lição da Bósnia seja que o futuro de um país não se decide nos parlamentos, mas nas mãos das mulheres que levantam comunidades—um tijolo, uma palavra, um gesto de cada vez.



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