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Mostrando postagens de dezembro, 2023

A Alma Inquieta da Bósnia: Como a Arte Reergue um País das Cinzas

DE SARAJEVO - Há lugares onde o peso da história se sente não só nos monumentos quebrados ou nos edifícios crivados de balas, mas no próprio ar que se respira. Cheguei à Bósnia como estudante em mobilidade académica, esperando estudar a reconstrução pós-guerra através de livros e gráficos. Mas a verdadeira lição veio das ruas, dos cafés, dos cinemas e dos olhares daqueles que carregam memórias que muitos de nós só conhecemos através de ecrãs distantes. A Bósnia é um país de contrastes profundos, onde a dor e a beleza coexistem com uma intensidade rara, e onde a cultura—o cinema, a literatura, a arte—não é um luxo, mas uma necessidade vital, uma forma de exorcizar fantasmas e reencontrar a humanidade perdida. Caminhar por Sarajevo é percorrer um palimpsesto de culturas e conflitos. A herança otomana mistura-se com o legado austro-húngaro, e em cada esquina há um lembrete do cerco dos anos 90, que durou quase quatro anos e definiu uma geração. Mas é precisamente nesta cidade ferida que o...

As Arquitetas do Amanhã: O Papel Invisível das Mulheres na Reconstrução da Bósnia

DE BJIELINA - Cheguei à Bósnia com a mente carregada de estatísticas sobre a guerra, mas foram as mulheres que me ensinaram a verdadeira meaning da resiliência. Enquanto os acordos de Dayton desenhavam novas fronteiras sobre mapas em 1995, eram elas que, nas cozinhas de sobrevivência e nos campos de refugiados, teciam os fios invisíveis de uma nação despedaçada. Esta crónica é sobre essas arquitectas silenciosas da paz—as mulheres bósnias que transformaram luto em labor, trauma em ternura, e que hoje, quase três décadas depois, continuam a carregar nas costas o peso e a promessa de um país que renasce das cinzas. Caminho pelo mercado de Markale em Sarajevo, onde em 1994 um massacre matou 68 pessoas. Hoje, flores e negociantes enchem o espaço, e é difícil não notar que a maioria dos rostos por trás das bancas são femininos. São viúvas, sobreviventes, mães que perderam filhos. Mulheres como Fatima, que me diz enquanto arruma tomates: "Os homens foram à guerra ou morreram. Nós ficámo...

A Longa Sombra de Dayton: A Bósnia e o Labirinto da Integração Europeia

DE SARAJEVO - Há uma ironia histórica profunda no facto de a Bósnia e Herzegovina, um país cuja identidade foi forjada na encruzilhada de impérios, hoje lutar por um lugar numa Europa que hesita em abraçá-la. Cheguei aqui como estudante de mestrado para investigar o processo de integração europeia, um tema que parece abstracto em Bruxelas mas é visceral nas ruas de Sarajevo. O que encontrei foi um labirinto político onde a esperança e o ceticismo coexistem, onde os fantasmas de Dayton assombram cada passo em direcção à União Europeia, e onde os cidadãos—especialmente os jovens—veem na Europa não apenas um projecto económico, mas uma promessa de normalidade. A jornada da Bósnia em direcção à UE é única porque é, em si mesma, um teste à capacidade de expansão e aos valores fundamentais da União. O país apresentou a sua candidatura em 2016, mas o processo arrasta-se num emaranhado de condições e reformas que parecem, por vezes, desenhadas para uma realidade paralela. A arquitectura políti...

A Juventude Bósnia: Entre o Desencanto e a Semente da Mudança

DE MOSTAR — Em um café no centro de Sarajevo, Adnan, de 24 anos, termina o seu café turco com a lentidão de quem adia o inevitável. Na mesa ao lado, um grupo de amigos ri alto, mas o som parece não alcançá-lo. "Estou a preparar a minha despedida", diz, com um sorriso amargo. "Daqui a dois meses, parto para Munique. Aqui, o futuro é uma promessa que nunca chega." A sua história não é única: é o retrato de uma geração que cresceu entre os escombros de uma guerra que não viveu, mas que carrega como uma herança pesada. A Bósnia e Herzegovina é um país envelhecido pela emigração. Desde 2013, mais de 500.000 pessoas abandonaram o território, a maioria jovens em busca de oportunidades que o seu país lhes nega. O desemprego juvenil ronda os 30%, e a economia—a mais frágil da Europa—oferece poucas alternativas à precariedade ou ao exílio 9. Os que ficam, confrontam-se com um sistema educativo fragmentado por divisões étnicas, onde 94% das escolas operam com currículos monoét...