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O Amor à Primeira, Segunda e Eterna Vista: Uma Despedida da Bósnia

DE BRČKO — Há partidas que são apenas interrupções. Chego ao fim destes seis meses de mobilidade na Universidade de Sarajevo com a certeza de que a Bósnia não é um lugar a que se vai, mas um lugar que se regressa, sempre. Mesmo tendo já estado aqui outras vezes, desta vez foi diferente. Desta vez, foi para ficar. No coração, claro, porque é aí que a Herzegovina, a Republika Srpska e a Federação se unem sem fronteiras, num país só feito de gente boa. Como agradecer a um povo que transforma um estrangeiro em quase família? Começo pelos corredores do Departamento de Ciências Políticas da Universidade, onde a professora Sanela não foi apenas uma orientadora, mas uma verdadeira anfitriã. À sua equipe, aos docentes que partilharam não apenas conhecimento, mas histórias de vida, o meu profundo hvala . Aprendi mais nos vossos gabinetes e cafés do que em qualquer livro, principalmente quando iam me visitar em minha sala.  À Organização Internacional CARE, Sumka e Branislav, pelo trabalho in...
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Medjugorje: Onde a Fé Desenha a Paz em Tempos de Guerra

DE MEDJUGORJE — O caminho que leva a Medjugorje serpenteia entre colinas verdejantes e povoações modestas, onde o tempo parece ter parado. Estive aqui em 2013 com um grande amigo de faculdade. Retornar é como visitar o passado. Chegar aqui é entrar num universo paralelo, um lugar onde o silêncio das montanhas se funde com o murmúrio das preces e onde a fé, intensa e por vezes controversa, floresceu em solo outrora marcado pelo regime comunista. A primeira impressão é a de um contraste profundo: de um lado, a simplicidade de uma aldeia rural da Herzegovina; do outro, a infraestrutura que cresceu para acolher milhões de peregrinos. Mas o coração de Medjugorje bate na Igreja de São Tiago, ponto de convergência onde fiéis de todo o mundo se ajoelham com uma devoção quase palpável. A subida ao Podbrdo, a colina onde em junho de 1981 seis jovens croatas afirmaram ter visto pela primeira vez uma "Jovem com um bebé nos braços", é uma peregrinação em miniatura. Me lembrou muito a cida...

As Novas Fronteiras da Bósnia: O Impacto da Migração e das Comunidades Imigrantes

DE SARAJEVO — O inverno de 2023 trouxe neve e um silêncio inquietante para os vales da Bósnia, mas também revelou para mim uma realidade menos visível: a das milhares de pessoas que atravessam montanhas e fronteiras em busca de um futuro na Europa. Nos últimos anos, a Bósnia tornou-se um corredor crucial para migrantes e refugiados, principalmente do Oriente Médio, África e Ásia, transformando-se num palco onde dramas humanos se desenrolam entre as cicatrizes de uma guerra passada e as divisões étnicas ainda por sarar. A chegada destes novos habitantes — muitos deles em trânsito, outros "encalhados" num limbo legal — forçou o país a confrontar-se com questões profundas sobre identidade, solidariedade e a própria natureza de uma nação ainda definida por fronteiras invisíveis. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 40.000 migrantes passaram pela Bósnia em 2023, com cerca de 7.000 ainda no país no início de 2024 2. Muitos estão concentrados em...

O Impacto da Globalização na Juventude Bósnia: Entre a Tradição e a Modernidade

DE MOSTAR - Viver esses meses na Bósnia é testemunhar, todos os dias, o delicado equilíbrio entre passado e futuro. Em Sarajevo, nas ruas estreitas e nos cafés iluminados pelo sol de outono, jovens cruzam olhares, risos e conversas rápidas sobre tecnologia, música, política e planos para o futuro. Mas há algo mais profundo por trás dessa movimentação cotidiana: um constante diálogo interno sobre como conciliar tradições familiares e comunitárias com um mundo globalizado que parece não esperar por ninguém. Conversei com algumas pessoas e percebi a tensão quase tangível entre os legados da guerra e a pressão de se inserir em uma economia e cultura global. Muitos expressavam orgulho pelas raízes bósnias, pelo costume de reunir a família aos domingos, pelas festas locais e celebrações religiosas, mas também demonstravam ansiedade em relação às oportunidades de carreira, viagens e aprendizado em outros países. Não posso ter uma visão completa, mas senti diferentes verdades nos olhares, uma ...

A Sombra da Guerra: Como a Memória Molda a Política Externa da Bósnia

DE MOSTAR — O peso da história na Bósnia não se mede apenas nos cemitérios ou nos edifícios marcados pelas balas. Ele habita os corredores do poder, assombra as relações diplomáticas e dita os ritmos de uma política externa definida por uma pergunta incessante: como reconciliar justiça com sobrevivência? Vinte e oito anos após o fim da guerra, a memória do conflito ainda é uma ferida aberta que sangra nas relações com os vizinhos e nas negociações com as potências internacionais. A guerra de 1992-1995 não terminou com os Acordos de Dayton; congelou-se. Essa é a sensação que se tem ao falar com diplomatas, académicos e cidadãos comuns na Bósnia de hoje. A justiça — ou a falta dela — tornou-se o eixo invisível em torno do qual gira a política externa do país. Para a Bósnia, a busca por reconhecimento do genocídio de Srebrenica e dos crimes de guerra não é apenas uma questão moral; é uma batalha identitária. As relações com a Sérvia e a Croácia são o exemplo mais claro desse "efeito ...

A “Economia da Esperança”: Cooperativas e Solidariedade em uma Bósnia Pós-Guerra

DE DONJI AGIĆI - Passar esses meses na Bósnia é testemunhar, a cada esquina e em cada comunidade, o esforço silencioso de reconstrução social. As cidades e vilarejos carregam cicatrizes visíveis da guerra — prédios marcados por balas, ruas que preservam buracos de bombas, placas que lembram os desaparecidos —, mas também revelam a determinação das pessoas em recuperar não apenas a economia, mas a confiança perdida. É nesse cenário que florescem iniciativas sociais, cooperativas locais e projetos de solidariedade que, embora pequenos, carregam o peso de uma esperança coletiva. Durante minhas visitas, tive a oportunidade de conhecer cooperativas agrícolas em regiões periféricas do país, de norte a sul. Produtores locais, de diversas idades, me receberam com sorrisos e orgulho, mostrando os produtos cultivados, os processos de organização comunitária e a importância de trabalhar juntos para criar oportunidades de renda. Em um pequeno centro de agricultura comunitária, um agricultor explic...

As Cartografias do Conflito: Fronteiras Invisíveis e o Mapa Étnico da Bósnia

DE SARAJEVO - A primeira neve do inverno cobriu os telhados de Sarajevo com um manto silencioso, escondendo sob a sua brancura as cicatrizes que a guerra gravou na pedra e na memória. Estava fora da capital e havia retornado há poucos dias. Um estudante estrangeiro com um caderno na mão e a ingenuidade de quem acredita que os mapas se desenham apenas em papel. Nesta altura, já havia aprendido que a verdadeira cartografia da Bósnia é invisível, um labirinto de fronteiras étnicas e feridas históricas que se estendem muito para além dos acordos de paz de Dayton. Caminhar pelas ruas de Sarajevo é sempre uma lição de geografia humana. Não importa quantas vezes faça, sempre estará cercado de lições. Na rua Ferhadija, o alfabeto muda subtilmente do latino para o cirílico, e os cafés, embora cheios de um murmúrio comum, parecem agrupar-se em torno de bandeiras invisíveis. Os jovens bebem os seus kavas e cervejas, mas as conversas, por vezes, evitam os mesmos temas que os seus pais evitam. Dayt...

A Arquitetura da Guerra: Como a Bósnia Está Reconstruindo Seu Passado

DE SARAJEVO — Mais um dia a caminhar e refletir nas ruas de Sarajevo entre o bairro onde estou a viver e a Universidade. Cada edificação conta uma história de resistência, dor e reconciliação incompleta. Vinte e oito anos após o fim da guerra, a Bósnia ainda luta para reconstruir não apenas seus edifícios, mas também a tessitura social rasgada pelo conflito. A arquitetura, aqui, é muito mais que concreto e pedra: é um espelho das divisões étnicas, um testemunho silencioso da violência e um palco onde se desenrola a complexa relação entre memória e esquecimento. Em Sarajevo, a capital, os edifícios danificados são parte da paisagem urbana. Fachadas crivadas de balas convivem com construções modernas, criando um contraste visceral entre o passado traumático e um presente que tenta se reinventar. A Biblioteca Nacional, incendiada em 1992 durante o cerco, é talvez o símbolo mais potente dessa dualidade. Reconstruída meticulosamente, sua fachada renasceu, mas os interiores abrigam agora...

O Solo Dividido: Semear o Futuro num País de Agricultura Fragmentada

DE SARAJEVO – O escritório da FAO em Sarajevo fica perto do bairro onde estou a viver. É uma caminhada muito agradável que muitas vezes tinha dificuldade imaginar tudo aquilo em guerra. Atravessava o rio que dividia a cidade, naquele ponto, entre duas forças. Pois bem, a FAO ficava do outro lado do rio. Lá dentro, longe do frio cortante do início de 2024, o ar estava quente e cheirava a café forte, uma herança otomana que permanece como uma das poucas coisas que unem este país complexo e que me enche o peito de boas memórias e lembranças. Fui recebido por um oficial sénior cujo rosto descontraído escondia uma paixão teimosa pelas relações sociais. Me ofereceu um café e ali no restaurante conversamos um bom e longo tempo.  “A agricultura na Bósnia”, começou ele, servindo o café numa pequena chávena, “é o espelho mais fiel do nosso país. E, infelizmente, é um espelho partido.” A sua explicação foi uma viagem pela geografia fracturada da produção alimentar. O Acordo de Dayton, que pac...

Banja Luka: Entre Memória, Terra e Hospitalidade

DE BANJA LUKA - Depois de alguns meses em Sarajevo, fui até o norte do país, em Banja Luka. A cidade me trouxe uma sensação diferente de todas as experiências anteriores. Capital da República Srpska, exala uma calma quase ordenada. As ruas largas e arborizadas contrastam com as vielas estreitas e sinuosas de Sarajevo; os edifícios austro-húngaros dialogam com construções modernas, criando uma paisagem que mistura tradição e pragmatismo contemporâneo. A cada passo, parecia que a cidade respirava história, mas de uma forma diferente: menos frenética, mais introspectiva, quase como se cada pedra guardasse lembranças e memórias de quem construiu e reconstruiu o lugar. Um dos aspectos mais marcantes da visita foi conhecer a história da comunidade judaica em Banja Luka. Antes da Segunda Guerra Mundial, a cidade abrigava uma pequena, porém ativa, população judaica. Com o Holocausto, muitos foram deportados ou assassinados, e a comunidade praticamente desapareceu. Hoje, poucos descendentes...

O Papel da Mídia na Formação da Memória Coletiva: Ecos da Guerra e Narrativas do Presente

DE MOSTAR - Não me canso de dizer que estar por aqui é o mesmo que caminhar por uma terra onde a memória ainda pulsa em cada rua, praça e edifício. E, nesse espaço marcado pelo passado recente, percebi o poder quase tangível da mídia na construção da narrativa coletiva. Jornais, emissoras de televisão, rádios e, mais recentemente, redes sociais, moldam não apenas a forma como os bósnios veem a si mesmos, mas também a maneira como o mundo entende o país. Acredito que na década de 90 a imprensa tinha o mesmo impacto no caso do Brasil. A memória coletiva, tão delicada e fragmentada, depende de histórias contadas e recontadas, algumas precisas, outras moldadas por interesses políticos ou emocionais. Nas minhas muitas conversas, ficou claro que a mídia exerce um papel ambíguo. Por um lado, preserva testemunhos de sobreviventes, recorda eventos históricos e mantém viva a memória das vítimas; por outro, muitas vezes reforça narrativas seletivas, reforçando divisões étnicas e alimentando perce...

O Futuro da Bósnia: Entre o Passado que Persiste e a Esperança Teimosa

DE SARAJEVO — A primeira vez que vi Sarajevo sob a neve, pensei: aqui, a história não congela; sangra. Cheguei como estudante de doutorado em Ciência Política, para uma mobilidade académica de seis meses, e logo percebi que a Bósnia é um quebra-cabeça onde cada peça é um paradoxo. Um país onde o futuro se negocia diariamente entre as sombras de uma guerra que teima em não acabar, e o frágil brilho de uma esperança que insiste em não morrer. Os meus dias na Universidade de Sarajevo foram uma imersão num laboratório vivo de conflitos não resolvidos. Os académicos bósnios falam de política com a urgência de quem sabe que as teorias não são abstrações, mas ferramentas para decifrar uma realidade fracturante. O Acordo de Dayton, que em 1995 pôs fim ao conflito, criou uma paz precária, congelando as divisões étnicas em estruturas de poder quase intocáveis 3. Hoje, a Bósnia funciona como um estado com três almas: uma sérvia, outra croata, outra bósnia—cada uma puxando para o seu lado, enquant...

A Alma Inquieta da Bósnia: Como a Arte Reergue um País das Cinzas

DE SARAJEVO - Há lugares onde o peso da história se sente não só nos monumentos quebrados ou nos edifícios crivados de balas, mas no próprio ar que se respira. Cheguei à Bósnia como estudante em mobilidade académica, esperando estudar a reconstrução pós-guerra através de livros e gráficos. Mas a verdadeira lição veio das ruas, dos cafés, dos cinemas e dos olhares daqueles que carregam memórias que muitos de nós só conhecemos através de ecrãs distantes. A Bósnia é um país de contrastes profundos, onde a dor e a beleza coexistem com uma intensidade rara, e onde a cultura—o cinema, a literatura, a arte—não é um luxo, mas uma necessidade vital, uma forma de exorcizar fantasmas e reencontrar a humanidade perdida. Caminhar por Sarajevo é percorrer um palimpsesto de culturas e conflitos. A herança otomana mistura-se com o legado austro-húngaro, e em cada esquina há um lembrete do cerco dos anos 90, que durou quase quatro anos e definiu uma geração. Mas é precisamente nesta cidade ferida que o...

As Arquitetas do Amanhã: O Papel Invisível das Mulheres na Reconstrução da Bósnia

DE BJIELINA - Cheguei à Bósnia com a mente carregada de estatísticas sobre a guerra, mas foram as mulheres que me ensinaram a verdadeira meaning da resiliência. Enquanto os acordos de Dayton desenhavam novas fronteiras sobre mapas em 1995, eram elas que, nas cozinhas de sobrevivência e nos campos de refugiados, teciam os fios invisíveis de uma nação despedaçada. Esta crónica é sobre essas arquitectas silenciosas da paz—as mulheres bósnias que transformaram luto em labor, trauma em ternura, e que hoje, quase três décadas depois, continuam a carregar nas costas o peso e a promessa de um país que renasce das cinzas. Caminho pelo mercado de Markale em Sarajevo, onde em 1994 um massacre matou 68 pessoas. Hoje, flores e negociantes enchem o espaço, e é difícil não notar que a maioria dos rostos por trás das bancas são femininos. São viúvas, sobreviventes, mães que perderam filhos. Mulheres como Fatima, que me diz enquanto arruma tomates: "Os homens foram à guerra ou morreram. Nós ficámo...

A Longa Sombra de Dayton: A Bósnia e o Labirinto da Integração Europeia

DE SARAJEVO - Há uma ironia histórica profunda no facto de a Bósnia e Herzegovina, um país cuja identidade foi forjada na encruzilhada de impérios, hoje lutar por um lugar numa Europa que hesita em abraçá-la. Cheguei aqui como estudante de mestrado para investigar o processo de integração europeia, um tema que parece abstracto em Bruxelas mas é visceral nas ruas de Sarajevo. O que encontrei foi um labirinto político onde a esperança e o ceticismo coexistem, onde os fantasmas de Dayton assombram cada passo em direcção à União Europeia, e onde os cidadãos—especialmente os jovens—veem na Europa não apenas um projecto económico, mas uma promessa de normalidade. A jornada da Bósnia em direcção à UE é única porque é, em si mesma, um teste à capacidade de expansão e aos valores fundamentais da União. O país apresentou a sua candidatura em 2016, mas o processo arrasta-se num emaranhado de condições e reformas que parecem, por vezes, desenhadas para uma realidade paralela. A arquitectura políti...

A Juventude Bósnia: Entre o Desencanto e a Semente da Mudança

DE MOSTAR — Em um café no centro de Sarajevo, Adnan, de 24 anos, termina o seu café turco com a lentidão de quem adia o inevitável. Na mesa ao lado, um grupo de amigos ri alto, mas o som parece não alcançá-lo. "Estou a preparar a minha despedida", diz, com um sorriso amargo. "Daqui a dois meses, parto para Munique. Aqui, o futuro é uma promessa que nunca chega." A sua história não é única: é o retrato de uma geração que cresceu entre os escombros de uma guerra que não viveu, mas que carrega como uma herança pesada. A Bósnia e Herzegovina é um país envelhecido pela emigração. Desde 2013, mais de 500.000 pessoas abandonaram o território, a maioria jovens em busca de oportunidades que o seu país lhes nega. O desemprego juvenil ronda os 30%, e a economia—a mais frágil da Europa—oferece poucas alternativas à precariedade ou ao exílio 9. Os que ficam, confrontam-se com um sistema educativo fragmentado por divisões étnicas, onde 94% das escolas operam com currículos monoét...

O Impacto da Migração e da Diáspora Bósnia: Entre a Fuga e a Esperança

DE BRATUNAC — A história da Bósnia e Herzegovina é, em grande medida, uma história de partidas e regressos interrompidos. Num café de Sarajevo, onde o cheiro do café turco se mistura com o murmúrio de conversas em várias línguas, um jovem estudante de engenharia confessa: "Aqui, sonhamos com o estrangeiro desde que aprendemos a andar." Esta não é apenas uma observação casual; é o reflexo de uma realidade profundamente enraizada. A migração—seja forçada pela guerra ou motivada pela economia—moldou a identidade, a política e a alma deste país balcânico, deixando um rastro de perdas, mas também de resiliência silenciosa. A diáspora bósnia é uma das maiores da Europa. Desde a guerra de 1992-1995, que deslocou um quarto da população, até à emigração económica acelerada da última década, mais de 500.000 pessoas abandonaram o país. Os números são mais do que estatísticas: são histórias de famílias divididas, de cérebros drenados, de aldeias envelhecidas. Um estudo de 2023 revela que...

O Som dos Sinos e o Chamado à Oração: Fé e Divisão na Bósnia

DE SARAJEVO — Ao amanhecer em Sarajevo, os sinos da catedral católica ecoam sobre os telhados da cidade. Poucas horas depois, o chamado do muezim da mesquita de Gazi Husrev-beg preenche os vales entre as montanhas. Ao final da tarde, o badalar dos sinos da igreja ortodoxa sérvia junta-se a esta sinfonia espiritual. Três chamados, três fé, um mesmo céu. Esta paisagem sonora quotidiana poderia ser um símbolo de tolerância perfeita. Mas na Bósnia, nada é tão simples quanto parece. A fé aqui não é apenas um caminho para a transcendência; é também um marcador de identidade étnica, uma fronteira invisível e, por vezes, uma arma política. A relação entre a Igreja Ortodoxa Sérvia, a Igreja Católica Croata e a comunidade islâmica da Bósnia é um microcosmo das complexidades do país. Durante a guerra de 1992-1995, as instituições religiosas foram instrumentalizadas para legitimar narrativas nacionalistas. Mesquitas, igrejas e mosteiros não foram apenas danificados ou destruídos como actos de guer...